signature=62e9666f321eece6f10a873be4decd11,Percepções sobre o clima de criatividade

"Quente ou frio? O clima de criatividade nos Programas de Enriquecimento".

Gostam das minhas ideias?

Percepções sobre o clima de criatividade

Sara Ibérico Nogueira (ULHT) e Sara Bahia (FPCEUL)

“O pensamento intuitivo é um dom e o pensamento racional um servente fiel. Criámos uma sociedade que honra o servente e se esqueceu do dom.”

Albert Einstein

Sabemos que a criatividade não se desenvolve naturalmente (Cropley, 1982) e que todos os esforços devem ser feitos no sentido de desenvolver uma criatividade imprescindível aos mais diversos avanços, sejam eles científicos, tecnológicos ou artísticos. Contudo, esses esforços devem ter início em idades precoces, através do estímulo às formas de pensamento divergente, pois parece existir uma correlação positiva entre estas duas formas de criatividade (Torrance & Torrance, 1974, Torrance, 1988, Barron & Harrington, 1981), na acepção mais divulgada de Csikszentmihalyi (1988), entre a pequena criatividade e a Grande Criatividade.

Mas, todos sabemos que, tradicionalmente, a implementação da pequena criatividade tende a deparar-se com múltiplos obstáculos. As crenças que nos vão sendo inculcadas para devermos ter tudo sob controlo, para maximizarmos os ganhos e minimizarmos as perdas, ou seja, para não trocarmos o certo pelo incerto, para evitarmos os sentimentos negativos que advêm da ambiguidade inerente ao pensamento divergente, para evitarmos o embaraço e a crítica de todos os que possam julgar as nossas ideias como disparatadas, constituem as barreiras mais intrínsecas e mais inibidoras.

Em contexto de sala de aula, não se permite que os alunos façam opções nem apresentem ideias diferentes, não se atende aos seus interesses, não se permitem erros nem opções “menos lógicas” (Fleith, 2000). Assim, é compreensível que os alunos temam parecer pouco racionais ou tolos, e que não queiram brincar com as ideias nem com o sentimento de ambiguidade que se gera e, muito menos, errar.

Se, actualmente, à questão da definição da criatividade se sobrepõe a questão de “Onde está a criatividade?” (Csikszentmihalyi, 1988), compreendemos que os mais modernos modelos de criatividade são, na sua essência, integradores de múltiplas perspectivações (Amabile, 1983, Gardner, 1988, Csikszentmihalyi, 1988). Desta forma, tão importante como o produto criativo, devemos contemplar o processo, a pessoa e o contexto sócio-cultural que valoriza ou, pelo contrário, inibe a criatividade.

Se queremos desenvolver a criatividade e que ela seja valorizada pela sociedade deveremos, então, ter em conta a Pessoa, o Domínio e o Campo (Csikszentmihalyi, 1988).

Ter em conta a Pessoa, implica conseguirmos desenvolver a sua curiosidade, apoiarmos os seus interesses, aceitarmos os seus erros e compassos de espera. Ter em conta o Domínio, pressupõe fornecer conhecimentos e informações, permitir o acesso a diversas fontes de informação. Ter em conta o Campo, requer que se acredite na capacidade criativa de todos, se criem oportunidades, se evidencie reconhecimento e se dêem recompensas.

Portanto, parece pacífico que sem o estímulo do ambiente que encoraje e reconheça as ideias criativas, nunca o sujeito poderá desenvolver o seu pensamento criativo (Sternberg & Lubart, 1991). De facto, parece-nos pertinente a tentativa de criar vários programas para desenvolver o potencial criativo em contexto de sala de aula (Alencar, 1986).

No âmbito dos Programas de Enriquecimento orientados para crianças e jovens com características de sobredotação, que temos desenvolvido em Lisboa, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, aos sábados de manhã, o Programa “A Pirâmide” possui como um dos principais objectivos o desenvolvimento da criatividade ou, melhor dizendo, as formas de pensamento divergente. “A Pirâmide” sugere que o conhecimento se vai activa e dinamicamente enriquecendo e inovando. Todas as actividades propostas neste Programa visam proporcionar experiências de descoberta desafiantes, enriquecer o conhecimento nas áreas das ciências, das artes e das tecnologias, estimular a capacidade de saber ver, fomentar um sentimento geral de sucesso na realização inovadora de tarefas, a par de desenvolver a capacidade de encontrar e resolver problemas, através da disponibilização de uma grande variedade de materiais e de recursos.

Baseados no TTCT (Torrance Test Creative Thinking), constatámos anteriormente que esses sujeitos apresentavam índices de pensamento divergente mais elevados por comparação com a população de sujeitos que não está sinalizada como sobredotada e que apenas frequenta o ensino regular.

Contudo, impunham-se algumas questões: existirá, de facto, alguma diferença entre o clima de criatividade em contexto de sala de aula e no contexto dos Programas de Enriquecimento? Serão essas diferenças percepcionadas pelos sujeitos?

Nesse sentido, num estudo exploratório, aplicámos a uma amostra de 10 sujeitos que frequentam os Programas de Enriquecimento, bem como a 15 sujeitos não sinalizados como sobredotados e que apenas frequentam a escola regular, a Escala Sobre o Clima para a Criatividade em Sala de Aula, aferida para a população brasileira por Fleith e Alencar (2005). Esta escala é constituída por 5 factores: Factor 1- suporte à expressão de ideias do aluno; Factor 2- auto-percepção do aluno em relação à criatividade; Factor 3- interesse do aluno pela aprendizagem; Factor 4- autonomia do aluno; Factor 5- estímulo à produção de ideias do aluno.

Os sujeitos, em ambos os grupos, têm idades compreendidas entre os 6 anos e 10 meses e os 13 anos e 8 meses, frequentam do 2º ao 8º ano de escolas do ensino público e privado do Distrito de Lisboa. A idade média do grupo de crianças não sinalizadas como sobredotadas é de 10 anos e 9 meses e a do grupo de sobredotados é de 10 anos e 1 mês. Em ambos os grupos há mais rapazs do que raparigas.

Comparando a percepção que os sobredotados têm sobre o clima de criatividade no contexto dos Programas de Enriquecimento e no seu contexto de sala de aula, pudemos verificar que a percepção sobre o primeiro é mais positiva do que a percepção sobre o segundo, muito em particular no que diz respeito ao Factor 3 (interesse pela aprend.) (t = -9,32; p < . 001; gl = 9), Factor 4 (autonomia) (t = -2,80; p < .05; gl = 9) e Factor 5 (estímulo à produção de ideias- pedir para pensar em novas ideias, pensar em muitas ideias e tentar de novo) (t = -4,12; p < .005; gl = 9).

Comparando a percepção que, sobredotados e os não sinalizados como sobredotados, fazem sobre o clima de criatividade nas respectivas escolas, constatamos que os sobredotados apresentam índices mais elevados, ou seja, percepcionam a escola como dotada de um clima mais criativo do que os não sinalizados como sobredotados, em particular no Factor1(suporte da professora à expressão de ideias)(t = -3,26, p<.005 gl="23)" e factor do aluno p>

Comparando a percepção que sobredotados fazem sobre o clima de criatividade dos Programas de Enriquecimento com a percepção que as crianças não sinalizadas como sobredotadas fazem do clima da sua escola, as diferenças são ainda maiores, ou seja, os sobredotados têm percepções mais positivas sobre o clima de criatividade nos Programas de Enriquecimento, em particular no que diz respeito aos Factores 5- estímulo à produção de ideias e Factor 1- apoio à expressão de ideias, e também o Factor 3- interesse pela aprendizagem e Factor 4- autonomia do aluno.

Em conclusão, os Programas de Enriquecimento são vistos pelos sobredotados como caracterizados por um clima de criatividade positivo, em particular, no que diz respeito ao estímulo à produção de ideias (Factor 5). Os Programas de Enriquecimento parecem constituir um bom contexto à produção e expressão de muitas e novas ideias, para além de estimularem a perseverança e o interesse pela aprendizagem, o que aliás está em sintonia com aquilo a que nos propomos através das diversas actividades e atitudes que tentamos promover nesse mesmo contexto educativo.

Apesar de tudo, a escola também é vista pelos sobredotados como possuindo um clima de criatividade positivo (embora não tão elevado como o dos Programas de Enriquecimento). Assim, parece que os sobredotados encontram na escola uma ambiente receptivo e estimulante da sua criatividade. Estarão, neste caso, os professores atentos e capazes de tomar a iniciativa de reforçar a expressão de ideias, a auto-percepção e o interesse pela aprendizagem? Ou será que os sobredotados moldam o clima da sala de aula por forma a obter o apoio de que precisam para desenvolver a sua criatividade?

Pelo contrário, a escola não é vista como um clima propício à criatividade por parte dos alunos não sinalizados como sobredotados.

Tudo indica, portanto, que os professores assumem atitudes diferentes perante os que surgem como sobredotados ou com qualidades de excelência e aqueles que se afiguram como mais regulares.

Em suma, a resposta à questão “Gostam das minhas ideias” parece ser positiva, principalmente a nível dos Programas de Enriquecimento, e em menor grau para a escola dessas crianças com características de sobredotação, mas definitivamente não, a nível da escola para todos.

Será que é tão difícil os professores estarem atentos aos índices de criatividade que todos os alunos mostram? Será que é tão difícil estimular a autonomia, a escolha e o envolvimento na aprendizagem?

Será que os professores mais não fazem do que re-agir às características que os alunos apresentam?

Não serão eles capazes de se envolver numa atitude pró-activa, de detecção das diversas facetas do pensamento divergente, mesmo naqueles que não correspondem ao estereótipo do bom aluno, conseguindo, para além disso, proporcionar actividades, desafios, enfim um clima, que propicie o desenvolvimento da criatividade?

Será que continuamos a querer uma sociedade que continue a honrar o servente e a esquecer-se do dom?

REFERÊNCIAS

Amabile, T. M. (1983). The social psychology of creativity. New York : Springer-Verlag.

Alencar, E. S. (1986). Psicologia e educação do sobredotado. São Paulo: E.P.U..

Barron, F., & Harrington, D. M. (1981). Creativity, intelligence and personality. Annual Review of Psychology, 32, 439-476.

Cropley, A. (1997). Fostering creativity. USA : Ablex Corporation.

Csikszentmihalyi, M. (1988). Society, culture, and person: a systems view of creativity. In R. J. Sternberg (Ed.), The nature of creativity: contemporary psychological perspectives(pp. 325-339). NY: Cambridge University Press.

Fleith, D. S. (2000). Ambientes educacionais que promovem a criatividade e a excelência. Sobredotação, 3 (1), 27-39.

Fleith, D. S., Alencar, E. S. (2005). Escala sobre o clima para a criatividade em sala de aula . Psicologia:Teoria e Pesquisa, 21 (1). Retirado em 1 de Junho de 2005 em http://www.icm19.org/?lang=en

Gardner, H. (1988). Creative lives and creative works: A synthetic scientific approach. In R. J. Sternberg (Ed.), The nature of creativity: contemporary psychological perspectives (pp. 298-321). NY: Cambridge University Press.

Sternberg, R. J., & Lubart, T. I. (1991). An investment theory of creativity and its development. Human Development, 34, 1-31.

Torrance , E. P. (1988). The nature of creativity as manifest in its testing. In R. J. Sternberg (Ed.), The nature of creativity: contemporary psychological perspectives(pp. 43-75). New York : Cambridge University Press.

Torrance, E. P., & Torrance, J.P. (1974). Pode-se ensinar criatividade? São Paulo: E.P.U.

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